Na opinião dela, a língua e a literatura árabes estão intimamente ligadas ao texto, aos conceitos e à história do Alcorão, pois o Livro Sagrado e outras obras literárias, como a poesia antiga, são a origem da linguagem árabe eloquente.
Cellard começou seus estudos em língua e literatura árabes sob a supervisão do professor François Déroche, antes de iniciar sua própria pesquisa em 2008.
Encantada desde o início pela beleza do estilo cúfico, ela iniciou seus estudos em 2008 e defendeu sua tese em 2015, centrada no estabelecimento do texto corânico por meio de manuscritos do 2º século da Hégira (século VIII).
Ela participou dos projetos franco-alemães Coranica e Paleocoran, publicando trabalhos sobre o Códice Amrense, considerado um dos mais antigos manuscritos do Alcorão conhecidos.
Segundo Cellard, o árabe literário tem suas raízes no Alcorão e na poesia antiga, sendo, portanto, essencial vincular o estudo do texto sagrado ao da linguística e da caligrafia.
Influência Cultural e Estudos Manuscritos
Seu trabalho de campo em diversos países árabes reforçou sua convicção de que o Alcorão influenciou profundamente as culturas locais. Ela acredita que a ciência dos manuscritos e da caligrafia abre novas perspectivas sobre a história da transmissão do texto corânico e sobre os artesãos que o preservaram ao longo dos séculos.
Cellard destaca a importância das línguas orientais antigas—especialmente o árabe, o siríaco e o acádio—no estudo dos primeiros registros escritos do Alcorão.
Para ela, o Alcorão representa o primeiro texto árabe estruturado e literário, e compreendê-lo requer examinar os contextos históricos, materiais e linguísticos de sua produção.
Ela levanta questões fundamentais: Que práticas de escrita existiam na Península Arábica? Havia outros manuscritos antes do Alcorão? Que influências escriturais contribuíram para sua redação?
Seu interesse pelo acádio, uma das línguas semíticas mais antigas, permite-lhe acessar vasta documentação cuneiforme que esclarece tradições escriturais da região. O siríaco, uma língua de cultura e transmissão entre civilizações, aproxima o estudo do Alcorão de seu contexto temporal imediato.
Formato Horizontal e História Material
Cellard também desafia a ideia de que o formato horizontal do Alcorão foi escolhido para diferenciá-lo das obras cristãs. Segundo sua pesquisa, essa escolha se deveu a considerações econômicas e práticas relacionadas à caligrafia e à produção de papel. Assim, a história material do Alcorão reflete um enraizamento profundo no patrimônio cultural do Oriente Antigo.
Seu livro "O Primeiro Manuscrito do Alcorão" apresenta um estudo detalhado de um manuscrito antigo que foi preservado na Mesquita Amr ibn al-As, no Cairo. Composto por quatro seções de aproximadamente 75 páginas, o manuscrito contém texto corânico em árabe acompanhado de ilustrações.
Segundo Cellard, embora apenas 20% do texto original tenha sido preservado, ela acredita que se tratava originalmente de um mushaf completo, provavelmente escrito por um escriba profissional no início do século VIII.
Apesar de seu pequeno tamanho, devido ao layout horizontal projetado para economizar papel, o manuscrito apresenta uma ordem de Suratas e versículos fiel à versão canônica atual, com exceção de alguns erros comuns em textos manuscritos.
Erros ortográficos, especialmente nas letras longas (huruf ‘illa), refletem convenções gráficas antigas. Cellard considera esta cópia uma das mais precisas conhecidas até hoje. No entanto, ela enfatiza a necessidade de uma análise comparativa profunda de todos os manuscritos para compreender melhor os critérios de redação do texto corânico.
Projetos Contemporâneos e Descobertas Inéditas
Pesquisas contemporâneas sobre manuscritos do Alcorão, nas quais Cellard está envolvida, revelam a importância fundamental da transmissão escrita do texto corânico a partir da segunda metade do século VII. No entanto, muitas perguntas ainda permanecem sem resposta: a datação exata dos manuscritos, seu local de origem, a identidade dos escribas e as condições materiais de sua produção.
Um dos manuscritos mais impressionantes, segundo Cellard, é o atribuído ao califa Othman ibn Affan, parcialmente preservado na Mesquita Amr ibn al-As, no Cairo. Provavelmente datado do século VIII, esse códice monumental pesava cerca de 50 kg e continha quase 700 páginas, cada uma feita das maiores peles disponíveis. Cinquenta dessas páginas estão agora na Biblioteca Nacional da França.
Cellard começou a trabalhar nesses fragmentos em 2012. Sua participação no projeto franco-alemão Paleocoran (2015–2018) teve como objetivo reconstruir os fragmentos dispersos do manuscrito. Apesar dos obstáculos no acesso a certas coleções, ela continua esse projeto até hoje, com apoio do Ministério do Interior.
Para Cellard, paixão e perseverança são os pilares de toda pesquisa — mesmo quando os resultados demoram a aparecer.
https://iqna.ir/en/news/3492688