Olivier Roy, um proeminente pensador francês e professor de Estudos Orientais
Olivier Roy, um proeminente pensador francês e professor de Estudos Orientais, apresentou uma leitura crítica da relação entre o Ocidente e o mundo islâmico em uma entrevista com Al Jazeera, focando na evolução e transformação do conceito de Orientalismo, o papel do discurso ocidental na criação de percepções negativas do Islã e muçulmanos, e o uso de conceitos como progresso e direitos humanos como ferramentas coloniais sob a aparência de moralidade.
Roy, um ex-diretor de pesquisa no Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS) e ex-diretor de estudos na Escola Francesa de Ciências Sociais Avançadas (EHESS), começou sua carreira no Afeganistão, onde chegou em 1969 como um menino jovem mal completando o ensino médio.
Ele vagou pelas ruas de Cabul, explorando a vida nas cidades orientais. Mais tarde estudou na Ásia Central, nas cidades antigas do Uzbequistão e Tajiquistão, antes de retornar a Paris, obtendo um doutorado em filosofia e ensinando em várias universidades e institutos franceses.
Ele é autor de obras importantes no campo da sociologia do Islã e religiões, a maioria das quais foi traduzida para o árabe. Essas obras incluem "Confrontando Islã e Secularismo", "Ignorância Sagrada", "O Tempo da Religião sem Cultura", "Jihad e Morte" e "Islã Globalizado".
Roy enfatiza que o Orientalismo não era apenas um produto da era colonial, mas existia muito antes disso. Emergiu no final do século dezoito como uma disciplina acadêmica focada no estudo do "Oriente" como uma civilização distinta. Os primeiros orientalistas na Europa admiravam a civilização islâmica, mas a viam como um passado glorioso que havia perdido sua relevância para o presente.
Ele acredita que esta visão permeia o discurso ocidental, com a visão de que o mundo islâmico "saiu do caminho do progresso e secularismo" e deve começar de novo e aprender o caminho da "modernidade" do Ocidente.
Roy nota que esta abordagem não se limitava ao Ocidente, mas também foi adotada por vários líderes políticos no mundo islâmico, como Mustafa Kemal Atatürk, que viu a necessidade de eliminar instituições educacionais e culturais tradicionais e criar instituições "modernas" modeladas no Ocidente.
Roy critica a suposição ocidental de que "o progresso só pode ser alcançado através do secularismo", argumentando que essa suposição se tornou generalizada e se tornou uma condição civilizacional para pertencer à era moderna.
Ele acrescenta que esta visão não era inócua, mas foi politicamente explorada no contexto do colonialismo.
Ele cita a França como exemplo, que inicialmente não tinha interesse na cultura argelina, mas posteriormente estabeleceu instituições como escolas de direito islâmico sob gestão francesa, não com o objetivo de reconhecer a cultura local, mas sim com o objetivo de controlá-la e reproduzi-la para servir à hegemonia colonial.
Roy critica fortemente o uso ocidental do discurso de direitos humanos, argumentando que a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1947 era quase exclusivamente ocidental em sua auto-representação, tornando seu suposto "universalismo" uma exportação ocidental.
Ele observa que este discurso se tornou uma ferramenta para impor um modelo cultural particular, ignorando contextos locais ou categorizando-os contra conceitos globais, como religião ou valores sociais não-ocidentais.
Roy cita as posições divergentes do Ocidente sobre questões globais, como a guerra na Ucrânia e o massacre em Gaza, como exemplos para mostrar que o que deveria ser uma posição de princípios foi adaptado aos interesses geopolíticos.
Roy explica que a mudança mais perigosa no discurso do Orientalismo moderno é a mudança de ver o "Oriente Islâmico como uma civilização" para vê-lo como um "desafio religioso".
Desde a década de 1970, o Islã não é mais visto como um componente cultural, mas como uma ameaça direta ao Ocidente, e se tornou "um pretexto para a criminalização de sociedades muçulmanas".
Símbolos religiosos como o hijab ou a abstenção de álcool são automaticamente associados ao autoritarismo e falta de liberdade.
Ele acrescenta que o Islã não é mais visto como parte da diversidade cultural, mas como o inimigo fundamental dos direitos humanos, uma visão que é resumida no slogan "Islã versus modernidade".
Roy diz que o Ocidente está atualmente testemunhando um declínio de um "discurso de valores universais" para um "discurso de identidade e exclusão", particularmente com o surgimento da retórica populista.
Ele cita a França como exemplo, onde, apesar de sua constituição prever liberdade de crença, manifestações religiosas islâmicas são vistas como uma ameaça à unidade da nação. Ele observa que o paradoxo reside no fato de que os mesmos países que afirmam promover o pluralismo no exterior buscam suprimir a diversidade em casa.
Ele acrescenta que as democracias ocidentais estão sofrendo de uma crise estrutural e não estão "ameaçadas pelo Islã", como frequentemente se afirma, mas estão sendo minadas de dentro por movimentos populistas. Enquanto isso, muçulmanos de primeira e segunda geração na Europa em grande medida acreditam em democracia e querem integração, mas com respeito por sua liberdade religiosa.
Roy observa que muçulmanos no Ocidente exigem direitos constitucionalmente garantidos, como o direito à observância religiosa ou alimentos halal, mas lhes são negados. Ele argumenta que muçulmanos não se opõem à democracia, mas são retratados como tal no discurso político ocidental, o que é explorado para fins políticos domésticos.
Ele acrescenta: A diferença no tratamento de partidos políticos islamistas em comparação com os partidos nacionalistas de extrema-direita emergentes na Europa, como a Reunião pela Nacionalidade na França e a Alternativa para a Alemanha, reflete um duplo padrão: islamistas são impedidos de participar da política, enquanto a extrema-direita pode expandir seu poder.
Roy conclui que o mundo ocidental está atualmente preso em um conflito interno entre princípios universais e tendências em direção à auto-identidade e exclusão de outros.
Ele argumenta que o conflito não é mais entre duas civilizações, como Samuel Huntington havia argumentado, mas entre identidade e princípio, e que o Islã se torna uma ameaça fundamental na imaginação ocidental em vez de meramente uma diferença cultural ou religiosa.
O pensador e acadêmico francês conclui que o dilema do Ocidente reside em sua falha em alcançar igualdade em casa, seus duplos padrões no exterior, e sua fé declinante em seus valores fundamentais, incluindo democracia.
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